No começo de 2020, a brasileira Natura anunciava a compra da americana Avon, sua rival histórica, tornando assim, a Natura a 4ª maior empresa de beleza do mundo. A notícia deixou muita gente perplexa, afinal, como uma empresa brasileira conseguiu comprar um símbolo centenário americano de mais de 130 anos? Tudo parecia um sonho para a Natura. Em uma janela de apenas sete anos, a empresa comprou as multinacionais Aesop, The Body Shop e a própria Avon. A Natura tornava-se uma potência mundial que tinha como ambição competir de igual para igual com gigantes, como a Loreal.
Mas rapidamente o sonho tornou-se um verdadeiro pesadelo. Em 2022, o grupo Natura teve um prejuízo acumulado de 2,8 bilhões de reais. Esse número simboliza o desastre que a empresa viveu nos últimos anos. A Natura entrou em um grande processo de reestruturação para não ter que encerrar sua história. História essa que começou nos anos 60 e que, por décadas, foi símbolo de sucesso.
Luis Seabra, o fundador da Natura, lá no início teve a visão de focar na venda direta dos seus produtos, o que deu muito certo. Todo brasileiro teve uma parente, ou alguma vizinha ou até mesmo uma conhecida que andava com sua revista da Natura, ou da sua concorrente Avon. Elas lhe ofereciam os produtos, rabiscavam as folhas marcando os produtos que eram vendidos e dias depois os produtos chegavam a você. Por décadas, esse tipo de economia dominou o mercado de cosméticos no Brasil, mas nos últimos esse sistema parece estar enfraquecendo com novos tipos de concorrentes.
O Economista

Luiz Seabra, um dos fundadores da Natura, começou sua carreira profissional aos 14 anos trabalhando na área de custos na empresa de seu pai. A afinidade com a área o levou a cursar Economia logo após o colegial. Depois da graduação, durante oito anos, trabalhou para a Remington Rand. Com o fechamento da fábrica da empresa, Luiz resolveu tomar outro rumo e, em 1965, foi trabalhar como gerente em um pequeno laboratório familiar em São Paulo, que pertencia a “Seu Pierre Berjeau”.
Apesar de não entender de formulações químicas, ele entendia de administração. Segundo o próprio Luiz, na época ele considerava os cosméticos como “coisa de mulher” e achava que o trabalho seria fácil. Porém, no laboratório do Seu Pierre ele começou a entender que cosmética não era futilidade e apaixonou-se pelo estudo das matérias-primas e suas combinações. Mas, nem tudo o agradava naquela indústria. Luiz conta que começou a pesquisar sobre como os cosméticos eram vendidos. Nisso, se deparou com a marca americana “Eterna 27”.
A “Eterna 27” era muito popular na época, mas suas propagandas e vendedores prometiam, segundo Luiz, mentiras. Esse aprendizado sobre o que não fazer no futuro iria moldar os alicerces da Natura, tendo sempre o enfoque no cliente e uma relação verdadeira entre as partes. Luiz trabalhou com Seu Pierre até 1969. Porém, sua esposa estava grávida de seu quarto filho e ele precisava de um emprego que pagasse mais. Mas quando foi pedir demissão, Seu Pierre o convidou para ser seu sócio. Luiz concordou, porém queria que fosse em um novo negócio.
Surge a Natura

Foi então que surgiu em 1966 a empresa que viria ser a Natura no futuro, de uma sociedade composta por Luiz Seabra, que possuía 20% da empresa, e do filho de Seu Pierre, Jean Pierre Berjeaut, com 80% da sociedade. Os primeiros meses foram muito difíceis, tendo apenas o laboratório de Seu Pierre como cliente que utilizava as formulações da dupla. Com essa experiência, Luiz Antônio Seabra percebeu que vender cosméticos era muito mais difícil do que parecia, era complicado de conseguir novos clientes.
E depois de um tempo, a situação se agravou. Seu Pierre também parou de comprar e a empresa recém criada ficou sem clientes. Mas Luiz Seabra queria continuar. Foi então que, com seu único patrimônio na época, um carro da marca Volkswagen do ano de 1967, ele comprou 30% da empresa, tornando-se, então, dono de 50% do negócio e assim dando fôlego pro caixa da empresa.
Foi nessa época, quando Luiz tinha apenas 25 anos, que eles mudaram o nome da empresa para Natura, o que remetia ao pioneirismo da marca em selecionar, para seus cosméticos, ingredientes naturais. A empresa trazia um novo tipo de conceito para a época. Seus produtos não se enquadravam nas drogarias tradicionais.
Então, decidiram abrir sua própria loja, que foi inaugurada em 1970. Era uma pequena portinha, onde antes funcionava uma borracharia, na rua Oscar Freire em São Paulo. Mas isso muito antes da rua se tornar um local luxuoso como nos dias atuais. Além da loja, a Natura adotou também um modelo que era, de certa forma, novidade para a época: a venda direta ao consumidor por meio de consultores. Modelo esse que já vinha sendo trabalhado há 10 anos antes no Brasil pela Avon.

Luiz atendia pessoalmente os clientes. Apesar de ser economista, ele sempre teve forte interesse na psicologia. Então, logo percebeu a necessidade de não somente vender, mas entender verdadeiramente a necessidade de seus clientes e realizar uma venda consultiva. Não era apenas vender produtos e receber o dinheiro em troca, essa relação deveria ser mais aprofundada para não haver o risco do cliente comprar e nunca mais voltar. Essa experiência direta com os clientes e as reflexões que surgiram nessa época, teriam suma importância no futuro da Natura.
A Natura cresce
Os métodos de Luiz e suas consultoras de beleza começaram a chamar a atenção e ele passou a dar conferências em outros estados. Médicos também procuravam Luiz interessados nos produtos para indicar a seus pacientes. Foi então que ele e Jean decidiram que era hora de expandir os negócios.
A primeira ideia foi abrir mais lojas, mas foi descartada pois a experiência da dupla mostrou que a relação direta com os clientes traria melhores resultados. Então, em vez de aumentar a quantidade de estabelecimentos, resolveram “multiplicar os Luizes”, adotando a venda direta como modelo comercial e trazendo vendedores para trabalhar como parceiros. Em 1974, fecharam a loja da Oscar Freire e o modelo de vendas passou a ser apenas o de porta em porta.
Mas nos anos 80, com a forte crise econômica que o Brasil enfrentava, seu sócio Jean deixou a empresa. Então, Luiz Seabra uniu-se a dois novos sócios: entrou Guilherme Leal e, anos depois, Pedro Passos, dupla com quem Luiz mantém sociedade até hoje. Com o trio à frente da empresa, a Natura cresceria e entraria na casa de milhões de pessoas através de consultores ao longo das décadas seguintes.

A Natura introduziu ao mercado uma grande gama de inovações, lançaram mais de 14 linhas diferentes de produtos e entraram no segmento de produtos masculinos. Além disso, foi, em 1983, a primeira empresa Brasileira a oferecer refil de seus produtos. A internacionalização da Natura começou 1 ano antes, em 1982. Por meio de um distribuidor local, os produtos já podiam ser encontrados no Chile.
Aqui no Brasil, a empresa travava uma ferrenha disputa de mercado com a Avon, a multinacional líder mundial em vendas diretas de cosméticos. Não havia ninguém nas décadas de 80 e 90, e também no começo dos anos 2000, que não tivesse uma conhecida que através das revistinhas vendesse os produtos da Avon ou da Natura. Mas elas também encontravam concorrência em empresas com sistemas de vendas diferentes, como varejistas e franqueadas, que atuavam também no setor de beleza. Destacavam-se na época a L´Oréal, Nívea, Johnson & Johnson, a Unilever, e O Boticário.
Mas a Natura procurava se diferenciar pela sua qualidade e por associar sua marca à causa ambiental e à sustentabilidade. Então chegou o novo milênio e a disputa entre a brasileira Natura e a gigante multinacional Avon só aumentava. A americana Avon possuía uma rede de aproximadamente 800.000 representantes de vendas e o Brasil era sua segunda maior unidade mundial. Nessa época, ela era líder do setor nacional de vendas diretas de cosméticos.
O posicionamento de preço da Avon era diferente do praticado pela Natura. Enquanto a Avon focava em fazer venda de produtos mais baratos destinados à classe C e D, a Natura focava na venda de produtos a preços mais altos, com foco na classe A e B. Fato é que, nessa época, aproximadamente 90% das vendas diretas do país eram feitas pela Avon e pela Natura.

Envolto nessa guerra por consumidores, os controladores da Natura resolveram tomar uma atitude que naquele momento foi bastante inovadora. Em 2004, a Natura fez seu IPO na Bolsa de Valores de São Paulo, sendo a primeira empresa brasileira de cosméticos a abrir oferta na bolsa. Fora a inovação para o seu setor, naquele momento, o mercado acionário no Brasil não era dos mais convidativos, com poucas empresas e amargando dois anos sem qualquer IPO.
A Natura conquista o mundo
Em 2005 a Natura passou a frente da sua rival americana Avon no volume de negócios no Brasil e se tornou a maior marca de cosméticos com vendas diretas no país. Ao completar 40 anos, no ano de 2009, a Natura atingiu o marco de um milhão de revendedores, em sua grande maioria mulheres. Nesse ano, também intensificaram as ações de marketing e a sua atuação em outros países da América Latina, com fábricas na Argentina, Colômbia e México.
Mas nesse período, o modelo de negócio da empresa, até então, de vender por meio de consultores, começou a enfraquecer. As redes de varejo avançavam e um novo tipo de venda online, cada vez mais ganhava espaço: o e-commerce. Então, em um momento em que a Natura tornava-se cada vez mais uma empresa global, era preciso se fortalecer perante as novidades que apareciam e estar em pé de igualdade com suas gigantes concorrentes do setor.

E a forma que a Natura encontrou foi aumentando seu portfólio através de aquisições de marcas concorrentes com diferentes atuações. A empresa se transformou em uma holding, chamada Natura &Co e foi às compras. Em 2013, adquiriu, por cerca de 100 milhões de dólares, a rede australiana Aesop, uma marca de cosméticos de luxo que contava com 61 lojas em 11 países na época. 4 anos depois, a Natura comprou, da sua concorrente L’Oreal, a marca britânica The Body Shop. Com essas duas aquisições, a Natura já estava presente em 70 países, com milhares de lojas ao redor do mundo.

O grupo Natura, nessa altura, se transformava em uma grande potência do ramo de cosméticos.
O Sonho Que Virou Pesadelo
Em 2019, a Natura anunciou, pelo valor de aproximadamente 2 bilhões de dólares, a compra da sua histórica rival Avon Products, exceto a operação da Avon dos Estados Unidos. Essa transação colocou a Natura, naquele momento, na posição de 4ª maior empresa de beleza do mundo. A notícia foi histórica. Uma empresa brasileira comprando um símbolo americano e, assim, se tornando uma verdadeira potência mundial no seu setor.
Mas quando a euforia passou e feita uma rápida análise, ficou claro que seria o maior desafio da Natura até então. E isso porque a Avon vinha enfrentando sérios problemas financeiros há mais de uma década amargando seguidos prejuízos, além do que a marca já não tinha mais a mesma força do passado. Era bastante óbvio que a Avon precisava passar por uma profunda reestruturação para voltar aos seus tempos de glórias.
Mesmo assim, a Natura&Co seguiu forte e a empresa chegou a ultrapassar o patamar de 80 bilhões de reais em valor de mercado. Mas com a chegada da pandemia do COVID-19 a empresa foi altamente impactada em suas vendas. Empresas do mundo inteiro tiveram grandes dificuldades, mas a Natura tinha um, ou melhor, alguns grandes problemas internos a serem resolvidos.

A Natura encontrava-se altamente endividada em virtude das compras que ela realizou em um curto espaço de tempo e recuperar a Avon mostrava-se um desafio ainda maior do que o esperado. Somados a isso, as suas despesas operacionais cresceram de forma vertiginosa em função das aquisições e a Natura teve sérias dificuldades em entender as operações e regulamentações que as novas empresas demandavam.
Então, em Novembro de 2021, a Natura chegou a perder 20% de seu valor de mercado em apenas um dia. Mas ainda viria mais. A Rússia que correspondia por 22% de todas as vendas do grupo na época entrou em guerra com a Ucrânia. A Natura, assim como muitas outras empresas do mundo, tomou a decisão de suspender as operações naquele país. A empresa tinha forte presença na Russia com as marcas The Body Shop e Aesop e também tinha uma fábrica da Avon.
Fora isso, o cenário econômico era catastrófico, seus principais mercados que eram a Europa e a América Latina sofriam com uma inflação crescente. As matérias primas como oleo de palma, resina e plásticos tiveram um grande aumento nos preços o que também impactou nas margens de lucro da empresa. Era preciso dar um basta nesse cenário ou além de perder o sonho de se tornar uma marca global, a Natura poderia vir a fechar as portas.

Arrumando a Casa
Então a Natura colocou em prática um grande plano de reestruturação e a primeira mudança foi na presidência em 2022: Fabio Barbosa entrou no lugar de Roberto Marques. Seguindo um plano dividido em etapas, o primeiro foco foi vender para sobreviver. Então a Natura vendeu a sua marca Aesop para a concorrente L’Oréal em negócio de US$ 2,5 bi, praticamente zerando a dívida bruta da Natura que chegou aos 7 bilhões de reais. Um fôlego para a companhia mas a venda gerou críticas. A Aesop era tida como o melhor ativo da empresa.
Em resumo, a Natura vendeu a marca que vinha dando lucro para ficar com marcas com sérias dificuldades nos últimos anos. A segunda etapa do plano de reestruturação, chamada Onda 2, envolve atualmente a fusão das operações da Natura e da Avon na América Latina para assim se tornarem uma única empresa.

Essa fase está reunindo a força de vendas, ou seja, as pessoas que revendem Natura ou Avon terão um único cadastro. Agora as consultoras Natura ou Avon passarão a se chamar apenas consultoras de beleza. Os centros de distribuição das empresas já foram integrados. A ideia é enxugar custos e diminuir a estrutura geral e focar no mercados mais lucrativos.
Mas se a Natura vem sofrendo com dificuldades com suas vendas, seus concorrentes antigos vêm tomando seu espaço. O Grupo Boticário, por exemplo, cresceu suas vendas em 31% em 2022 e alcançou o maior faturamento da sua história. O interessante é que o mercado de cosméticos vem crescendo fortemente enquanto a Natura passa pelo seu pior momento. E para aumentar o drama da Natura, nos últimos anos, um novo tipo de concorrente surgiu.
Um Novo Cenário Se Apresenta
Nos últimos anos, marcas de beleza que tem como donas influenciadores digitais têm tido grande sucesso. Como é o caso da Wepink. A Wepink é marca de cosméticos da influenciadora Virginia Fonseca e da empresária Samara Pink. A marca faturou R$ 40 milhões apenas em julho de 2023. Desse valor, 55% veio de uma live de 13 horas realizada pela marca.

É uma nova forma de vender, tendência que vem crescendo ao redor do mundo. As influenciadoras apostam muito nesse tipo de lives na internet atrelada a um e-commerce muito forte. Só em 2023, a Wepink realizou mais de 1 milhão de vendas no seu e-commerce. Outros cases de sucessos são as marcas das influenciadoras Boca Rosa aqui no Brasil e de Kylie Jenner internacionalmente.

Só para você ter uma ideia, Kylie vendeu 51% das participações da Kylie Cosmetics para a Coty em 2020 por US$ 600 milhões. Obviamente, esses números ainda são pequenos para o que mercado de cosméticos global representa, mas ao que tudo indica, as influenciadoras têm um bom caminho de crescimento pela frente e as gigantes globais já estão de olho nessa tendência.
Mas voltando a Natura, mesmo em meio a vários tropeços e escolhas que resultaram em um cenário dramático, A Natura segue seu plano de desinvestimentos e reestruturação. A empresa, enquanto esse vídeo está sendo produzido, está avaliando a venda a The Body Shop. A avaliação interna da Natura é que a The Body Shop queima caixa, não cresce há anos e é necessário rejuvenescer a marca. Isso demandaria um alto investimento, o que parece que a Natura não está disposta a fazer. Seu foco agora é no mercado latinoamericano, ou seja, a Natura está voltando às suas raízes.
A marca Natura se tornou um símbolo brasieiro ao redor do mundo com mais de 35 mil funcionários, mas através de um processo de crescimento muito acelerado, a empresa não conseguiu efetivar seu sonho de se tornar uma marca global, pelo menos por ora. O passo sim foi maior que as pernas. E com um novo cenário se apresentando, será que a empresa vai conseguir acompanhar as mudanças do mercado?
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