Presente em mais de 120 países em 5 continentes, a Marcopolo atualmente é uma das maiores fabricantes de carrocerias de ônibus do mundo e uma das multinacionais mais importantes do Brasil.
Mas você sabia que inicialmente a Marcopolo começou como uma oficina de chapeação e pintura de caminhões na serra Gaúcha?
Na verdade, quando foi fundada, em 1949 na cidade de Caxias do Sul, a empresa sequer se chamava Marcopolo, seu nome original, era Nicola & Cia.
Nessa época, Caxias ainda era uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, com uma população de menos de 50 mil habitantes.
Um lugar afastado dos grandes centros urbanos e com uma topografia (cheia de morros), que não a credenciava como o melhor lugar para se erguer uma fábrica de ônibus.
Porém, isso não impediu que empreendedores tentassem a sorte e construíssem uma empresa que revolucionaria o setor de ônibus tanto no Brasil quanto no mundo.
De lá pra cá, a Marcopolo já produziu mais de 400 mil ônibus e foi uma peça fundamental no desenvolvimento da região, que se tornou o segundo maior polo metal mecânico do Brasil.
Conheça essa história de muito trabalho, pioneirismo e inovação que enche de orgulho a todos os brasileiros.
Nicola & Cia Ltda
Foi no dia 06 de agosto de 1949 que a história da Marcopolo teve o seu início. Nesta data, Dorval Nicola, o mais velho dos irmãos Nicola, que eram os donos de uma oficina de chapeação e pintura de cabines de caminhão, convidou Paulo Bellini para se tornar sócio da empresa.
Bellini, com 22 anos na época, havia recém retornado à Caxias depois de concluir a faculdade de administração de empresas em Porto Alegre.
Essa era a oportunidade perfeita para o jovem Bellini, que prontamente aceitou o convite dos Nicola – seus vizinhos da rua Os 18 do forte.
Nascia assim a Nicola & Companhia Limitada, que agora além de atuar como oficina, também passaria a produzir carrocerias de ônibus. Porém, o início foi bastante desafiador.
Nem os Nicola e nem Bellini tinham a menor experiência com a fabricação de carrocerias de ônibus. Mesmo assim, eles foram à luta e aprenderam tudo na base da tentativa e erro, como muitos dos negócios daquela época.
Dessa forma, compraram um terreno na rua 13 de maio, construíram um galpão e começaram a desenvolver os seus primeiros ônibus, que inicialmente eram de madeira e montados sobre chassis de caminhão.
Bellini não possuía nenhum conhecimento em indústria, e ficou encarregado pela parte administrativa do negócio. Almoxarifado, compras, contabilidade, livro-caixa, era tudo com ele, enquanto os irmãos Nicola cuidavam da fábrica.
Como as ferramentas eram poucas e precárias e a equipe era pequena, inicialmente um ônibus levava cerca de 90 dias para ficar pronto.
Só pra você ter uma ideia, hoje a Marcopolo produz mais de 100 ônibus por dia só no Brasil.
Mas voltando aos anos 50, a Nicola & Companhia, mesmo com todas suas limitações conseguiu crescer de forma acelerada nos seus primeiros anos, muito em função do forte crescimento econômico do Brasil no governo de Juscelino Kubitschek.
Em 1952, a Nicola produziu a primeira carroceria com estrutura metálica, o que foi um marco na indústria de carrocerias de ônibus do Brasil.
Com a implantação da indústria automotiva e a construção de estradas por todo o país, a indústria de ônibus deu um salto.
Inclusive foi nessa época que a Mercedes abriu sua fábrica em São Bernardo do Campo em São Paulo, tornando-se a primeira empresa a produzir chassis para ônibus no país.
Em 1957, com a crescente demanda pelos ônibus da Nicola, a companhia transferiu sua produção para uma nova fábrica no bairro Planalto, em Caxias do Sul.
Pouco tempo depois, em 1961, a Nicola celebrou seu primeiro contrato de exportação, com a Compañia de Omnibus Pando, do Uruguai. Era só o começo do crescimento da fabricante gaúcha.
Marcopolo
Apesar do sucesso da companhia, que já havia se transformado em uma sociedade anônima, os irmãos Nicola optaram por deixar a sociedade em 1967, para abrir uma nova encarroçadora.
Mesmo sem os Nicola no capital da empresa, ela continuou se chamando Carrocerias Nicola S.A por mais alguns anos.
Em 1968, no salão do automóvel de São Paulo, ela apresentou o modelo que colocaria seu nome na história.
O primeiro ônibus monobloco montado sobre a plataforma Mercedes-Benz O.326, apresentado nas versões Rodoviário, Rodoviário com Toalete e Carro Leito.
O modelo foi batizado de Marcopolo, em homenagem ao célebre explorador e viajante veneziano, que viajou durante 24 anos integrando culturas e espalhando conhecimento.
Com o enorme sucesso do seu novo ônibus, em 1971 a denominação social da empresa foi alterada para Marcopolo S.A Carrocerias e Ônibus.
Neste ano também foi assinado o 1º Contrato de Transferência de Tecnologia com a Ensamblaje Superior de C.A. da Venezuela, para fornecimento de carrocerias em CKD para serem montadas na Venezuela.
Dessa forma, a Marcopolo tornou-se a primeira empresa da indústria automobilística brasileira a exportar tecnologia no segmento de ônibus.
Só para você entender, antes disso, os ônibus iam rodando da fábrica para os clientes em países como Uruguai, Chile, Peru e Paraguai, porém, as distâncias começaram a inviabilizar o envio das unidades por esse sistema.
Sendo assim, a Marcopolo passou a exportar as carrocerias completamente desmontadas, enviadas em kits para serem montadas no país de destino, como se fossem peças de lego. Isso facilitou muito o processo e reduziu significativamente o custo de frete.
Além dessa inovação voltada para o mercado externo, a Marcopolo continuou crescendo forte no mercado doméstico.
Com a crise do petróleo no início da década de 70, o governo brasileiro fez um apelo para que as pessoas usassem menos carros e mais transporte coletivo.
Desse modo, a Marcopolo aproveitou a oportunidade e lançou uma série de inovações, como o motor dianteiro, o teto reto, as janelas maiores, o micro-ônibus e o chassi tubular.
Além de grandes investimentos em expansão, a Marcopolo também realizou importantes aquisições, como a compra de seus concorrentes, Carrocerias Eliziário,de Porto Alegre e a Nimbus, de Caxias do Sul.
Embalada com o crescimento ao longo da década, em fevereiro de 1981, a empresa inaugurou a sua nova fábrica, em Ana Rech, numa área de mais de 220 mil metros quadrados e contou com a presença do então presidente da república João Figueiredo.
Tudo levava a crer que a fase de forte crescimento continuaria ao longo da década de 80, porém, as coisas estavam prestes a mudar, e infelizmente, para pior.
Foi nesse período que o Brasil sofreu uma de suas piores crises econômicas, que ficou conhecida como a “década perdida”, e a Marcopolo, assim como outras diversas indústrias brasileiras, não passou ilesa.
A empresa, que recém havia realizado um investimento enorme na sua nova fábrica, foi pega em cheio e sua produção caiu pela metade entre 1981 e 1983, mesmo com o sucesso do lançamento dos produtos da Geração 4 em 1983, que era formado pelos modelos Viaggio, Paradiso, Strada e Torino.
Para você ter uma ideia da dimensão da crise, em 1983 a inflação no Brasil atingiu 211% e o PIB caiu quase 3,5%
Com isso, a Marcopolo não teve outra saída a não ser reduzir sua estrutura e demitir funcionários. Além disso, ela precisou fechar suas fábricas em Porto Alegre e em Betim, Minas Gerais, que havia inaugurado em 1978.
Logo, uma alternativa era necessária, e a solução para os problemas da Marcopolo estavam bem distantes do Brasil.
Japão, o divisor de águas
Enquanto o Brasil era assolado pela crise econômica, um país do outro lado do mundo chamava atenção pelo seu forte crescimento econômico.
Esse país era o Japão, que viveu o seu milagre econômico entre os anos 60 e 80, e se tornou uma das maiores economias do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Intrigados com o sucesso empresarial do país, Paulo Bellini e Cláudio Gomes, o diretor industrial da Marcopolo na época, foram visitar o Japão em 1986 para entender o que de fato estava acontecendo.
Em duas semanas, Bellini e Cláudio visitaram 11 empresas no Japão, todas com o sistema Toyota de produção.
Como não podiam fotografar dentro das fábricas, Bellini foi registrando tudo em um gravador, enquanto Cláudio tomava nota de tudo o que achava importante em um bloco.
No final do dia, faziam a revisão de tudo o que tinham visto e ouvido enquanto visitavam as empresas.
Vale lembrar que nessa época, conceitos como just in time, kanban e kaizen, eram completamente desconhecidos no Brasil.
Quando retornaram ao Brasil, em novembro de 1986, a maioria das pessoas achava difícil que as práticas de gestão japonesas fossem funcionar no Brasil devido à diferença cultural, mas Bellini insistiu.
No ano seguinte, em 1987, ele e Cláudio começaram a colocar em prática tudo o que viram lá no Japão.
Dada a complexidade do desafio, eles seguiram à risca duas recomendações importantes dos japoneses: Não impor as mudanças e procurar implantar aos poucos, iniciando por uma área pequena com o objetivo de contaminar toda a fábrica.
O primeiro passo foi compartilhar todo o conhecimento adquirido na viagem com os funcionários da Marcopolo, sendo assim, Cláudio, que já tinha sido professor universitário, começou a dar palestras depois do expediente.
Para divulgar a palestra, que era opcional, eles espalharam convites pela fábrica dizendo: “se você deseja conhecer as características da indústria japonesa, ligue para esse número.”
Em menos de um mês, eles já tinham formado três turmas, onde contavam como funcionavam as fábricas japonesas, como era o quadro do estado de humor, como faziam as trocas de ferramentas, o que era kanban, just in time e 5S. Coisas que na época eram grandes novidades.
Aos poucos a palavra foi se espalhando e cada vez mais funcionários começaram a participar das palestras e a colocar em prática o que aprendiam nos seus setores.
Logo começou a ficar evidente a limpeza e a organização da fábrica, o que impactou diretamente na eficiência da produção.
Para você ter uma ideia do aumento da produtividade, a fábrica da Marcopolo que estava dimensionada para fabricar 1200 ônibus por ano, passou a produzir 5 mil, na mesma área, apenas com a racionalização do layout e otimização dos estoques, que passaram a ser just in time.
No final de 1987, cerca de 70% dos funcionários já haviam participado das palestras, o que acabou tornando esse grupo numa espécie de exército de mudanças.
Sendo assim, eles adaptaram as práticas japonesas e criaram o SIMPS, O Sistema Marcopolo de Produção Solidária e o SUMAM, Sugestões de Melhorias do Ambiente Marcopolo.
E como a Marcopolo foi uma das primeiras empresas brasileiras a adotar as práticas japonesas, sua eficiência operacional logo se tornou uma enorme vantagem competitiva.
O curioso é que essas práticas, que inicialmente eram adotadas apenas dentro da fábrica da Marcopolo, começaram a ser utilizadas fora da empresa pelos funcionários, que passaram a repetir em suas próprias casas o que haviam aprendido na empresa.
Além disso, as práticas japonesas acabaram invadindo também as fábricas de muitos fornecedores da Marcopolo, que para atender a sua demanda, passaram a adotar os métodos de produção da empresa.
Inclusive esse é um dos fatores que explicam como Caxias se tornou uma potência industrial nas últimas décadas.
E depois de cerca de quatro anos implantando as técnicas japonesas e arrumando a casa, havia chegado o momento da Marcopolo ampliar os seus horizontes.
Internacionalização
Os anos 90 foram marcados pelo lançamento da Geração 5 da Marcopolo, que era composta pelos modelos rodoviários Viaggio 850 e 1000 e o Paradiso 1150 e 1450; e o lançamento da Volare, a sua linha de micro-ônibus que foi lançada em 1998.
Outra marca desse período foi a sua internacionalização. A Marcopolo, que já exportava para cerca de 40 países nessa época, queria aumentar ainda mais sua presença no mercado internacional.
Para isso, a empresa precisaria possuir fábricas em outros países para otimizar sua produção e ganhar eficiência. E foi o que ela fez.
Sua primeira fábrica no exterior foi adquirida em 1991 em Portugal e foi um grande aprendizado para a Marcopolo de como era operar fora do Brasil.
Após essa experiência, a companhia decidiu focar em mercados mais populosos e em expansão, como a Índia, países da América Latina e Oriente Médio.
Sendo assim, nos anos seguintes a Marcopolo celebrou uma série de alianças e aquisições em países como México, Colômbia, Argentina, África do Sul, Egito e Índia.
Na índia, por exemplo, a Marcopolo se associou com o Grupo Tata, o maior conglomerado industrial do país, dando início a Tata Marcopolo em 2006.
A parceria com o grupo indiano durou até 2020, ano em que a Marcopolo decidiu vender sua participação na joint-venture.
Atualmente, além das 3 fábricas que possui no Brasil, a Marcopolo possui 8 unidades fabris no exterior em países como China, México, Colômbia, Argentina, África do Sul e Austrália.
A Marcopolo também é a maior acionista da maior fabricante de ônibus da América do Norte, a New Flyer Industries, um investimento realizado em 2013 pela gigante gaúcha.
Marcopolo nos dias de hoje
Com capital aberto na B3, antiga Bovespa, desde 1978, atualmente a Marcopolo possui um valor de mercado de mais de R$ 6 bilhões.
Em 2022, encerrou o ano com uma receita líquida de R$ 5,4 bilhões, representando um crescimento de 54,8% em relação ao ano anterior.
No total, a companhia possui 13 mil colaboradores e no ano passado sua produção foi de mais de 14 mil ônibus.
No primeiro trimestre de 2023, sua participação de mercado no Brasil foi 50,1%, ou seja, a Marcopolo realmente domina o setor no país.
Paulo Bellini faleceu em junho de 2017, aos 90 anos de idade. Atualmente, o presidente do conselho de administração da Marcopolo é James Eduardo Bellini, filho de Paulo Bellini.
Uma belíssima história que nos mostra a força que as empresas brasileiras possuem!
Se você quer se aprofundar ainda mais neste história, recomendamos que você leia o livro “Marcopolo. Sua Viagem Começa Aqui”