Um homem com um queixo quadrado e ombros largos, com uma careca brilhante e um sorriso permanente esticado a ponto de doer. Muito provavelmente, se você gosta de mercado financeiro, já deve ter visto a imagem de Michael Milken por aí. Mas você conhece a história por trás dessa figura?
Esse homem está envolvido em um dos maiores escândalos de informações privilegiadas da década de 90 e que foi condenado a 10 anos de prisão.
Milken é um dos personagens mais icônicos e conhecidos de Wall Street e influenciou uma geração inteira de investidores no início dos anos 90 e, mesmo depois de ter sido preso, é um dos homens mais respeitados na famosa rua de Manhattan.
A Vida Reservada de Milken

Michael Robert Milken nasceu na pacata cidade de Encino, na Califórnia, menos de um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde garoto sempre foi um indivíduo extremamente reservado e, como tal, sabemos pouco sobre sua infância e juventude. Seu pai, um contador, proporcionou uma vida – vamos dizer – confortável para ele e toda família. Sua mãe, uma dona de casa extremamente amorosa.
Michael, que é judeu, frequentou a Birmingham High School durante a infância, e depois formou-se em administração na Universidade da Califórnia, a conhecida Berkeley, em 1968. Ficar careca na adolescência apenas ampliou seus traços de caráter já reclusos durante a infância, mas o jovem Robert sempre se destacou por trabalhar e se dedicar mais do que todos à sua volta.
Os primeiros sinais reais das suas habilidades tornaram-se aparentes depois que ele iniciou um curso de pós-graduação na Wharton School of Finance, na Pensilvânia. Foi durante esse curso, com 20 anos de idade, que Michael começou a estudar os títulos bancários de alto rendimento, um mercado que ele mesmo iria revolucionar anos depois. Em 1969, enquanto ainda estudava na Universidade da Pensilvânia, Milken começou a trabalhar no banco Drexel Firestone, que logo depois se fundiu com a Burnham & Company para formar o Drexel Burnham ,um importante banco de investimentos da época.
Não demorou muito tempo para que o jovem Robert ganhasse destaque no ambiente financeiro. Como ele mesmo dizia a Frederick Joseph, o CEO do banco em que trabalhava: ‘Não sei se sou mais inteligente do que qualquer outra pessoa, mas posso trabalhar 25% a mais’
Os Junk Bonds

Dois anos depois de chegar ao banco de investimentos, Milken tornou-se o chefe do departamento de negociação de títulos da companhia. Era a oportunidade perfeita para colocar em prática aquilo que ele já estava estudando há um bom tempo. A grande inovação de Milken foi perceber uma grande oportunidade nos títulos emitidos por empresas com menor classificação de crédito.
Basicamente, a coisa funciona da seguinte maneira: As agências de classificação de crédito oferecem aos investidores informações que os ajudam a determinar o risco de indadimplência das empresas emissoras dos títulos de dívida.
Em outras palavras, as agências classificam as empresas conforme o risco delas não cumprirem com suas obrigações. Por exemplo, as empresas com baixíssimo risco de inadimplência são denominadas triplo A. Já as empresas com pouco crédito, que normalmente estão passando por dificuldades financeiras, são classificadas como tipo C. Em suma, essa classificação serve para ajudar os investidores a avaliar o risco de comprar o título de dívida de uma empresa, ou seja, se você deve emprestar dinheiro a ela ou não.

Agora o mais importante: Por terem risco de inadimplência elevado, os títulos de empresas tipo C são conhecidos por ofertarem uma rentabilidade elevada. E é aí que a percepção do excêntrico jovem Milken entra no jogo. Investigando uma série de grandes corporações que estavam passando por tempos difíceis, e baixa classificação de crédito, Michael percebeu algo importante: As grandes agências de crédito haviam rebaixado os títulos desses ‘gigantes caídos’ do status A para C, atribuindo assim um estigma baseado no desempenho passado dessas empresas
E mais, esses títulos eram muito baratos e os rendimentos gerados por uma aposta maciça neles seriam colossais. Na visão de Milken, as agências de classificação estavam cegas, dispostas demais a jogar pelo seguro – e os investidores estavam exageradamente míopes para desafiar a influência das agências, com medo de serem destroçados pelo mercado.
Além disso, Milken também percebeu que havia uma oferta extremamente limitada desses títulos. Uma oferta que provavelmente não atenderia à demanda dos investidores depois que sua descoberta se tornasse de conhecimento público. E foi assim, armado com esse insight, que ele e o banco Drexel começaram a criar uma nova oferta desses títulos para o mercado: os chamados junk bonds.
Os Anos de Ouro

O banco inicialmente decidiu dar a Milken uma pequena quantia de capital para jogar. Eles queriam ver todo o seu sistema funcionar. Logo o Drexel Burnham começou a subscrever títulos para corporações que não podiam obter financiamento de fontes mais tradicionais. Pequenos bancos, seguradoras e o conhecido mercado de ações públicas eram os principais alvos.
Milken, a grande estrela dessa dança, estava propondo uma maneira de empresas próximas à falência conseguirem levantar recursos que nunca imaginariam conseguir com os grandes bancos tradicionais da época. Muitos indivíduos e muitas instituições que, de outra forma, não teriam acesso ao crédito, agora teriam. Milken também foi o pioneiro no uso desses títulos para financiar as enormes ambições de investidores como Carl Icahn e de outras empresas de private equity. E quase da noite para o dia, Michael Milken se tornou o funcionário mais importante da Drexel, e ele e seu departamento receberam carta branca para fazer o que quisessem.
Tá, mas você deve estar se perguntando: Com a extrema dificuldade financeira das empresas que ele estava apostando, como Michael administrava o risco de um calote: primeiro, Milken sabia a quem deveria oferecer seus novos produtos. Ele começou a visitar diversos gerentes que aplicavam seus recursos em fundos de pensão e seguradoras de vida – e que estavam passando por momentos de dificuldade. Esses indivíduos precisavam gerar altos retornos para atrair novos clientes. Os junk bonds ofereciam uma solução rápida e fácil. Os altos rendimentos brilhavam nos olhos de qualquer um. Milken rapidamente levantou um volume financeiro importante dessa maneira!

Além disso, em sua avaliação, se ele criasse uma rede o suficientemente grande, as chances de ganho se acumulariam a seu favor. No final, se os negócios condenados iriam conseguir reverter ou não o seu desempenho era irrelevante. Uma injeção de dinheiro de um banco de investimento de sucesso seria suficiente para fazer o preço de seus títulos disparar. Era o capitalismo como nunca antes visto.
Os Junk bonds foram extremamente importantes para a criação e o desenvolvimento de setores inteiros nos Estados Unidos – como o da comunicação sem fio e da televisão a cabo. E com o banco colhendo enormes taxas com os novos volumes financeiros, Milken estava ficando cada dia mais rico. Em 1986, ele recebeu quase $ 295 milhões do banco onde trabalhava, mas ainda conseguiu reclamar que havia sido roubado em $ 15.000 – que achava que a Drexel lhe devia. No ano seguinte, mais US$ 550 milhões. Até chegar ao status de profissional melhor remunerado do mercado. Entre salários e bônus, Milken ganhou mais de US$ 1 bilhão como funcionário do Drexel.
E ele não quereria parar por aí.
A Derrocada

Ele não admitia perder. Simplesmente não suportava sair derrotado de uma negociação. Desde a infância, Michael sempre foi hipercompetitivo. Durante a sua gestão na Drexel, não poderia ser diferente. Mas o excesso de confiança sempre pode acabar se transformando em arrogância. O que de fato, aconteceu.
E pra entender o início da derrocada de Michael Milken, precisamos voltar para 1980. Ano em que uma América atingida pela recessão foi às urnas para escolher o candidato republicano Ronald Reagan como novo presidente. O republicado derrotou o democrata Jimmy Carter em uma vitória esmagadora. Reagan defendia uma “economia do lado da oferta”, na qual os impostos seriam drasticamente reduzidos e o governo efetivamente permitiria que os mercados funcionassem livres de interferência. Era música para os ouvidos do povo.
Os reaganistas passaram a ver o mercado de títulos de alto rendimento como o emblema de uma América ressurgente. O problema é que com o passar dos anos, ficou claro que algo estava muito errado com a ‘economia vodu’ de Reagan.
Wall Street podia ter crescido, mas a Main Street não saiu do lugar – desde 1980, o déficit dos EUA simplesmente disparou de US$ 900 bilhões para US$ 3 trilhões, e os números do desemprego estavam piores do que nunca. E apesar de toda a confiança de Milken de que havia mudado o sistema financeiro, o boom dos títulos não passava de uma bolha.
A prisão de Milken

Com o tempo, uma onda de escândalos começou a atingir a Drexel. E um corretor do banco, chamado Dennis Levine, acabou sendo preso por estar envolvido em negociações com informações privilegiadas em grande escala. Isso fez com que muitos lançassem dúvidas sobre as práticas da poderosa firma. Pouco tempo depois, após investigação, Ivan Boesky, um arbitrador com quem Milken tinha laços comerciais, se declarou culpado por abuso de informação privilegiada com o qual construiu sua fortuna. E o cerco parecia estar se fechando…
A SEC, Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, presidida pelo então promotor de Nova York, Rudy Giuliani, começou a investigar seriamente os nomes dados por Boskey: e o principal deles era Michael. A SEC ainda descobriu que Boesky havia feito um pagamento de $ 5,3 milhões para o banco Drexel, que a empresa disse ser uma ‘taxa de consulta’. Isso provocou suspeitas suficientes para as autoridades investigarem a fundo as atividades do banco.
Em setembro de 1988, a SEC processou Drexel e Milken por uma série de violações, incluindo informações privilegiadas, manipulação de preços de ações e manutenção de registros imprecisos. Além do mais grave de todas acusações, as alegações de fraude e extorsão. O banco logo se declarou culpado de seis acusações, concordando em pagar uma multa de US$ 650 milhões e em ajudar a SEC na investigação de Milken. Em abril de 1990, o jogo finalmente chega ao fim.

Após quatro anos de investigação e processo, Milken concordou em se declarar culpado de seis acusações de violação criminal das leis de valores mobiliários. Ele ainda aceitou pagar US$ 500 milhões adicionais aos investidores privados da Drexel que perderam seu dinheiro. Além disso, ele foi condenado a dez anos de prisão, que mais tarde foi reduzido para dois anos. Milken acabou cumprindo 22 meses em uma prisão federal de segurança mínima e nunca mais teve permissão para trabalhar no mercado financeiro.
Desde a sua libertação da prisão em 1992, Milken venceu um grave câncer de próstata e se esforçou para reabilitar sua imagem. Depois da descoberta da doença, doou mais de US$ 1 bilhão para pesquisas de medicina, incluindo estudos sobre o vírus HIV e câncer de mama. Mas a grande criação de Milken perdura até hoje. Os junk bonds continuam sendo uma inovação incrivelmente importante e uma fonte de enormes lucros anuais para Wall Street.
E mesmo depois de tudo isso, Michael Milken é muito respeitado pelo mercado americano. A primeira razão é que o negócio que Milken criou continua vital e importante. A outra razão é que muitas das pessoas que acreditaram nas suas ideias e trabalharam para ele ou com ele, hoje estão bilionárias.