Na quarta-feira, 21 de maio, o Vale do Silício testemunhou uma aliança que pode ser tão revolucionária quanto o encontro entre Steve Jobs e Jonathan Ive no final dos anos 90. Sam Altman, CEO da OpenAI, anunciou a aquisição da startup io Products por US$ 6,5 bilhões, trazendo o lendário designer do iPhone para liderar os esforços de hardware da empresa de inteligência artificial.
Este não é apenas mais um deal bilionário no ecossistema tech. É uma aposta audaciosa de que o próximo salto tecnológico não virá de uma iteração do smartphone, mas de algo completamente novo — algo que Altman e Ive esperam que seja tão transformador quanto o iPhone foi em 2007.
O Mago por Trás da Revolução: Quem É Jonathan Ive?
Para entender a magnitude deste deal, é essencial conhecer o homem que está por trás dele. Jonathan Paul Ive, nascido em 27 de fevereiro de 1967 em Chingford, Londres, não é apenas mais um designer — ele é o arquiteto visual da era digital moderna.
Filho de um ourives que lecionava no Middlesex Polytechnic, Ive cresceu em um ambiente onde o artesanato e a precisão eram valores fundamentais. Diagnosticado com dislexia na adolescência, encontrou no design sua forma de expressão natural. Curiosamente, seu amor por carros quase o levou para a indústria automotiva, mas a atitude dos estudantes de design de carros na Royal College of Art o desencorajou: “As aulas estavam cheias de estudantes fazendo barulhos de vroom! vroom! enquanto desenhavam”.
A Filosofia Bauhaus que Mudou Tudo
Na Newcastle Polytechnic, Ive foi apresentado às formas de design inspiradas pela escola Bauhaus, que pregava “incluir apenas o que é necessário nos designs”. Esta filosofia minimalista não apenas moldou sua carreira, mas definiu toda a estética da Apple nas duas décadas seguintes.
Alguns de seus projetos estudantis — incluindo um telefone e um aparelho auditivo — foram exibidos no Design Museum de Londres, sinalizando precocemente seu talento excepcional.
A Jornada Apple: De Novato a Lenda
Ive chegou à Apple em setembro de 1992 através da Tangerine, uma consultoria de design londrina que tinha a Apple como cliente. Inicialmente hesitante sobre a mudança da Inglaterra para a Califórnia, sua primeira grande tarefa foi trabalhar na segunda geração do Newton MessagePad.
Mas foi com o retorno de Steve Jobs em 1997 que a magia realmente aconteceu. Jobs reconheceu em Ive um “parceiro espiritual” e lhe deu carta branca criativa. O resultado foi uma série de produtos que redefiniu indústrias inteiras:
- iMac (1998): O computador translúcido que salvou a Apple da falência
- iPod (2001): O dispositivo que revolucionou a música
- iPhone (2007): O produto que criou a era dos smartphones
- iPad (2010): O tablet que definiu uma nova categoria
O Perfeccionismo Obsessivo
Ive é famoso por seu perfeccionismo quase obsessivo. Ele passou “meses e meses e meses” trabalhando na forma exata do suporte do iMac desktop porque “é muito difícil projetar algo que você quase não vê porque parece tão óbvio, natural e inevitável”.
Esta atenção aos detalhes se estendia a elementos que os usuários nunca veriam — como a parte interna dos produtos, que também deveria ser esteticamente perfeita. Steve Jobs uma vez disse: “A diferença que Jony fez, não apenas na Apple, mas no mundo, é enorme.”
A Era Pós-Apple: LoveFrom e a Liberdade Criativa
Em junho de 2019, após 27 anos na Apple, Ive anunciou sua saída para formar a LoveFrom ao lado de Marc Newson. A decisão refletia sua frustração com o foco crescente da Apple em serviços em detrimento da inovação em hardware.
A LoveFrom, baseada no bairro Jackson Square de São Francisco, representa uma nova filosofia de design. Com uma equipe de mais de 50 profissionais — incluindo designers, arquitetos, músicos, cineastas, escritores, engenheiros e artistas — a firma trabalha em projetos que vão muito além da tecnologia.
Projetos que Definem uma Nova Era
Os clientes da LoveFrom leem como um who’s who do luxo global:
- Ferrari: Parceria multi-anual que incluirá o primeiro carro elétrico da marca italiana, programado para 2025
- Airbnb: Redesign dos principais produtos e serviços da plataforma
- Moncler: Coleção de roupas modulares com botões magnéticos
- Rei Charles III: Design de selos e tipografia personalizada para iniciativas sustentáveis
Até mesmo detalhes aparentemente triviais recebem o tratamento Ive: a LoveFrom passou quatro anos desenvolvendo sua própria tipografia, a LoveFrom Serif, baseada na Baskerville mas com “continuidade de curvatura” — um conceito que elimina quebras visuais entre linhas e curvas.
A Parceria dos Sonhos: Quando Design Encontra IA
A colaboração entre Ive e Altman começou há dois anos, quando o designer e sua firma LoveFrom iniciaram uma parceria discreta com a OpenAI. O que começou como “ideias tentativas e explorações evoluiu para designs tangíveis”, segundo comunicado conjunto das empresas.
A química entre os dois é evidente. Em um post no X, Altman descreveu Ive como “o maior designer do mundo”, expressando sua empolgação em “criar uma nova geração de computadores alimentados por IA”. Para Ive, o projeto representa a culminação de três décadas de aprendizado: “Tenho a sensação crescente de que tudo que aprendi nos últimos 30 anos me levou a este lugar e este momento”.
O Preço da Revolução: Por Que US$ 6,5 Bilhões?
O valor da aquisição — a maior da história da OpenAI — pode parecer astronômico para uma startup de apenas um ano. Mas os números fazem sentido quando analisamos o contexto.
A OpenAI já possuía 23% da io como parte de um acordo de colaboração assinado no ano passado, o que significa que o valor real pago foi de aproximadamente US$ 5 bilhões em ações da OpenAI, avaliada em US$ 300 bilhões.
Mais importante: a aquisição traz Ive e uma equipe de aproximadamente 55 engenheiros, designers e pesquisadores, muitos deles veteranos da Apple que trabalharam em produtos icônicos como iPhone, iPad e Apple Watch.
Além da Tela: O que Vem Depois do Smartphone?
Em um vídeo divulgado pela OpenAI, Altman observou como usar um laptop ou smartphone para acessar o ChatGPT era muito trabalhoso, sugerindo que preferiria um dispositivo mais integrado ao seu dia a dia.
A proposta de valor é clara: criar dispositivos que permitam interação natural com IA, eliminando a necessidade de navegar por aplicativos e interfaces complexas. A parceria visa criar dispositivos intuitivos e amigáveis que podem fazer nossos smartphones atuais parecerem obsoletos.
As possibilidades incluem:
- Óculos inteligentes com IA integrada
- Dispositivos de casa inteligente com interação por voz natural
- Wearables que antecipam necessidades dos usuários
- Computadores que respondem a gestos e comandos naturais
O Timing Estratégico: Por Que Agora?
A movimentação da OpenAI não acontece no vácuo. Com o ChatGPT atendendo entre 400 a 800 milhões de usuários ativos semanalmente em maio de 2025, a OpenAI já conquistou uma forte posição no espaço de software.
Mas o mercado de dispositivos de IA ainda está em seus primórdios. Startups como Humane AI e Rabbit tentaram construir dispositivos específicos para a era da IA, mas a Humane AI, fundada por ex-executivos da Apple, enfrentou dificuldades com seu dispositivo AI Pin, que foi criticado pela duração da bateria, problemas de aquecimento, funcionalidade limitada e custos altos.
A diferença? A OpenAI quer possuir a próxima plataforma de hardware para não ter que vender seus produtos através do iOS da Apple ou Android do Google, como observa o analista Gil Luria, da D.A. Davidson.
O Contexto Competitivo: Apple na Defensiva
As ações da Apple caíram mais de 2% com a notícia, refletindo preocupações dos investidores sobre a crescente pressão competitiva. A ironia é palpável: Ive, que ajudou a Apple a dominar a era dos smartphones, agora pode liderar o desenvolvimento da tecnologia que os substituirá.
A Apple tem sido lenta para implementar o Apple Intelligence, um conjunto de recursos com acesso ao ChatGPT, com várias ferramentas avançadas de IA já disponíveis em smartphones Android concorrentes. Tim Cook, que priorizou eficiência operacional sobre experimentação criativa, agora vê seu antigo chief design officer potencialmente criando o próximo grande salto tecnológico para um concorrente.
O Legado de Ive na Apple Continua
Mesmo três anos após sua saída, a influência de Ive ainda pode ser sentida na Apple. Porém, a empresa tem gradualmente se afastado de algumas de suas decisões mais controversas:
- Os novos MacBooks trouxeram de volta múltiplas portas, revertendo a obsessão de Ive por minimalismo extremo
- O teclado butterfly, que priorizava espessura sobre funcionalidade, foi abandonado
- O Mac Studio, com portas frontais, representa uma filosofia de design mais pragmática
Como observa um analista: “Ive estava tão focado no design que frequentemente a funcionalidade ficava em segundo plano, e o usuário, o cliente, sofria.”
Preparando o Terreno: A Estratégia Mais Ampla da OpenAI
A aquisição da io não é um movimento isolado. Para fortalecer suas ambições de hardware, a OpenAI contratou em novembro a ex-chefe da iniciativa de óculos de realidade aumentada Orion da Meta para liderar seus esforços de robótica e hardware de consumo.
Também no final do ano passado, a OpenAI investiu na Physical Intelligence, uma startup de robótica baseada em São Francisco, que levantou US$ 400 milhões com uma avaliação de US$ 2,4 bilhões.
O Cronograma: Quando Veremos os Primeiros Resultados?
A Bloomberg reporta que os primeiros dispositivos de Ive e Altman estão programados para estrear em 2026. Em uma entrevista conjunta, Ive e Altman se recusaram a dizer como tais dispositivos poderiam ser e como funcionariam, mas disseram que esperam compartilhar detalhes no próximo ano.
Riscos e Desafios: O que Pode Dar Errado
Por mais promissora que seja a parceria, existem obstáculos significativos:
Execução Tecnológica: Criar hardware de IA que funcione de forma fluida é notoriamente difícil, como demonstram os fracassos da Humane e Rabbit.
Timing de Mercado: Os consumidores podem não estar prontos para abandonar smartphones por dispositivos completamente novos.
Competição Feroz: Meta já tem sucesso com seus óculos inteligentes Ray-Ban, e Google anunciou esta semana sua versão de óculos de IA em parceria com Samsung e Warby Parker.
Dependência de Ive: Apostar tanto em uma única pessoa, por mais talentosa que seja, sempre carrega riscos.
O Legado em Jogo: Mais que um Produto, uma Filosofia
Ive enquadrou as ambições como “galácticas”, com o objetivo de criar “produtos incríveis que elevem a humanidade”. Altman acrescentou: “Estamos esperando a próxima grande novidade há 20 anos. Queremos trazer às pessoas algo além dos produtos legados que usamos há tanto tempo”.
Esta é a essência do que torna esta parceria fascinante: não se trata apenas de criar outro gadget, mas de reimaginar fundamentalmente como interagimos com a tecnologia.
Conclusão: Uma Aposta no Futuro da Computação
O deal de US$ 6,5 bilhões entre OpenAI e Jony Ive representa mais que uma aquisição — é uma declaração de que o futuro da computação será definido pela convergência entre inteligência artificial e design excepcional.
Ive, o homem que transformou gadgets em objetos de desejo e redefiniu nossa relação com a tecnologia, agora tem a oportunidade de fazer isso novamente. Sua filosofia de que “o design deve ser tanto uma experiência quanto um produto” encontra na IA um novo playground infinito.
Se bem-sucedida, esta parceria pode fazer pelo hardware de IA o que o iPhone fez pelos smartphones: criar uma nova categoria de produtos que redefine nossas expectativas sobre tecnologia. O perfeccionismo obsessivo de Ive, combinado com a ambição visionária de Altman, tem todos os ingredientes para um novo momento “iPhone” na história da tecnologia.
Apenas o tempo dirá se Altman e Ive conseguirão capturar a magia que Steve Jobs e o próprio Ive criaram há duas décadas. Mas uma coisa é certa: com esta movimentação, a corrida para definir o futuro da computação pessoal acabou de ficar muito mais interessante.
Para Ive, que sempre acreditou que “design não é apenas sobre como algo parece — é sobre como funciona”, a parceria com a OpenAI representa a chance de aplicar três décadas de aprendizado ao próximo grande salto da humanidade. Como ele próprio disse: “Estou ansioso e empolgado com a responsabilidade do trabalho substancial pela frente.”