O escândalo que quase quebrou a Bombril

Você sabia que a Bombril quase foi à falência no início dos anos 2000? Mesmo sendo uma das marcas mais famosas do Brasil, até hoje a Bombril ainda sofre com as consequências de uma severa crise envolvendo os controladores da empresa.

Poucas empresas no Brasil possuem uma marca tão forte a ponto de virar o sinônimo de um produto. A Bombril é uma delas. Afinal, poucas pessoas se referem ao seu produto como esponja de aço. Com o seu famoso slogan de 1001 utilidades e propagandas icônicas que marcaram a geração de milhões de brasileiros nos anos 80 e 90, a esponja de aço da Bombril dominou o mercado no Brasil desde que foi lançada.

Mas você sabia que a empresa quase foi à falência no início dos anos 2000? Pra você ter uma ideia, a crise foi tão grave que até hoje a empresa está tentando se recuperar.

A Bombril

A história da Bombril começa em janeiro de 1948, quando Roberto Sampaio Ferreira recebeu como pagamento de uma dívida uma máquina de extração de esponjas de lã de aço, até então um produto importado e pouco acessível no Brasil. Nessa época, as panelas de ferro estavam cedendo lugar às feitas de alumínio, que são mais modernas, leves e rápidas de aquecer. 

Anúncio antigo do Bombril

No entanto, as donas de casa reclamavam da dificuldade de limpá-las com esponjas comuns. Atento a essa demanda, Roberto começou a vender esponjas de aço, que deixavam as panelas brilhando como se fossem novas (por isso o nome “Bombril”, uma abreviação de “bom brilho”).  Além disso, elas também eram eficientes na limpeza de vidros, louças, azulejos e ferragens (versatilidade que rendeu o apelido de produto “1001 utilidades”).

Nascia assim a Abrasivos Bombril Ltda. que já no seu primeiro ano vendeu 48 mil unidades. As duas décadas seguintes foram de expansão, com a marca se tornando conhecida ao patrocinar programas na antiga TV Tupi na década de 1950.  De 1961 a 1973, a Bombril  incorporou a Companhia de Produtos Químicos Fábrica Belém, detentora da marca Sapólio e Radium, a Indústria de Lã de Aço Mimosa, e a Q-Lustro (dona de 25% do mercado de lã de aço). 

Foto de Roberto e sua família

Em 1976, a Bombril mudou sua linha de produção do Brooklin, em São Paulo, para São Bernardo do Campo e, em 1978, passou a desenvolver novos produtos como detergentes, com a marca Limpol, e desinfetantes, com as marcas Pinho e Kalipto. Também em 78, o ator Carlos Moreno apareceu pela primeira vez como Garoto Bombril, em uma das campanhas de marketing mais famosas do Brasil, criada pelo publicitário Washington Olivetto.

Na década de 80, porém, as coisas começaram a mudar na empresa. Em 1981, o Sr. Roberto Sampaio Ferreira faleceu, e embora tenha continuado sua expansão – com o lançamento da marca Mon Bijou em 1983 e a abertura de capital em 1984 – internamente as coisas não iam bem. Os três irmãos que herdaram a Bombril tinham divergências quanto ao seu futuro. Marcos, o mais novo, não participava do dia a dia do negócio. Ronaldo, o irmão do meio, e Fernando, o mais velho, eram quem de fato tocavam a empresa.

O problema é que eles tinham visões diferentes: Ronaldo sonhava em dar continuidade ao negócio do pai, enquanto Fernando queria vendê-lo. Dessa forma, em 1988, Fernando vendeu suas ações para o polêmico empresário italiano Sergio Cragnotti e convenceu Marcos, o irmão mais novo, a fazer o mesmo.  Ronaldo permaneceu por mais um tempo na empresa, porém como sua participação era minoritária, se via sem poder de decisão na gestão do negócio, e em 1995, decidiu vender suas ações à Cragnotti.

Começava assim uma das maiores disputas societárias que o Brasil já viu…

Sergio Cragnotti

Cargnotti em entrevista

Sergio Cragnotti começou sua carreira como contador do grupo italiano Cimentos Segni e veio para o Brasil nos anos 70 como executivo do grupo Ferruzzi. Na década de 90, criou a Cragnotti & Partners, uma empresa especializada em recuperar e vender negócios em dificuldades financeiras. Além disso, nessa época ele também comprou o tradicional clube de futebol italiano, Lazio, o qual foi presidente. Conhecido por ser um grande financista e um verdadeiro gentleman, Cragnotti começou a expandir o seu império.

Em 1994 adquiriu a empresa de alimentos italiana Círio, e um ano depois assumiu o controle acionário da Bombril ( só um parenteses aqui: a Cirio é aquela empresa que patrocinava o São Paulo nos anos 90 ). Mas voltando ao Cragnotti. Sua passagem pela Bombril foi marcada por uma enxurrada de denúncias e irregularidades. O cara adorava fazer um malabarismo financeiro.

Em julho de 1997, Cragnotti determinou que a Bombril comprasse o controle da Cirio Holding, uma de suas empresas na Itália, com o argumento de “internacionalização da empresa”. Na época, a Bombril desembolsou US$ 380 milhões à vista. Os recursos para a aquisição foram obtidos com aumento de capital na bolsa brasileira, com participação de gigantes como Previ, BNDESPar e Dynamo.

O problema é que, em dezembro de 1998, Cragnotti fez uma nova operação. Desta vez, a Bombril vendeu a Cirio Holding (a mesma companhia que havia sido comprada um ano e meio antes) para a Bombril Cirio International, que tinha sede em Luxemburgo e também era controlada pelo empresário italiano. O negócio saiu pelos mesmos US$ 380 milhões, mas com um pequeno detalhe: a Bombril receberia esse dinheiro em quatro parcelas.

Porém, como a Cirio estava enfrentando problemas financeiros, a Bombril nunca mais viu a cor desse dinheiro. Na prática, Sergio Cragnotti estava financiando suas empresas estrangeiras com dinheiro da Bombril injetado pelos minoritários brasileiros. Esse episódio motivou uma denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (a CVM), que concluiu posteriormente que a Bombril teria “emprestado” mais de R$ 1,3 bilhão às empresas de Cragnotti entre 1995 e 2001. Em 2002, o empresário italiano foi multado em R$ 62,5 milhões pela CVM, no que foi considerada a maior multa aplicada pelo órgão regulador até então.

Só pra voce ter noção, o valor da multa foi 3 vezes superior ao valor da multa recebida em 1994 pelo especulador Naji Nahas, conhecido por ter quebrado a bolsa do Rio de Janeiro. Além disso, Cragnotti foi proibido de administrar qualquer companhia aberta pelo prazo de cinco anos.

Cragnotti acompanhado do dono da empresa Lazialita

Como se não bastasse toda essa confusão, logo outra polêmica viria à tona: Lembra que Cragnotti havia comprado as ações de Ronaldo Sampaio Ferreira lá em 1995?  Pois então dos 121 milhões de dólares que o italiano se comprometeu a pagar para Ronaldo, ele pagou apenas 5 milhões de dólares. Dessa forma, em 2002, Ronaldo Sampaio Ferreira entrou na justiça contra Cragnotti alegando que o mesmo não teria pago a ele valor acordado na venda da sua participação.

O caso foi parar na justiça brasileira e, um ano depois, com a ajuda de seu então advogado Augusto Coelho, Ronaldo conseguiu afastar os italianos e colocar a empresa em administração judicial. Também em 2003, a Cirio sofreu intervenção na Itália, após Cragnotti ter deixado de honrar títulos da empresa e dar um calote de US$ 1,4 bilhão em cerca de 30 mil investidores. O controlador foi afastado e os ativos do grupo começaram a ser liquidados para pagar credores.

Para você ter uma ideia da dimensão da crise, até o time Cruzeiro aqui no Brasil levou um calote de Cragnotti. A Lazio, time o qual o empresário era dono e presidente, comprou do Cruzeiro por US$ 11 milhões  o lateral esquerdo argentino Sorín, em 2002. O problema foi que o clube mineiro não recebeu o dinheiro, e precisou entrar na justiça contra a Lazio.

Sorín, lateral do Cruzeiro

Além disso, Cragnotti foi acusado de fraude, declarações falsas ao mercado e falência fraudulenta. Em 2004, ele chegou até ser preso depois de tentar interferir na investigação. Com afastamento do empresário na Itália, Ronaldo e os interventores italianos chegaram a um acordo no qual a Cirio daria ao brasileiro o controle da Bombril, quitando assim a sua dívida com ele.

Porém, logo um novo problema surgiria. Uma discordância entre Ronaldo e o advogado, Augusto Coelho, inviabilizou o acordo.  Coelho queria receber 20% do valor do acordo como honorários. Ronaldo não concordou. Como represália, Coelho não assinou o acordo e passou a pleitear o leilão da empresa para receber sua parte.

Augusto Coelho, advogado de Ronaldo

Enquanto durava o imbróglio entre Ronaldo e o advogado, a Bombril era dirigida por uma administração judicial, que acabou causando um prejuízo de mais de 2 bilhões de reais e afundou a Bombril em dívidas. Inclusive, uma auditoria privada contratada por Ronaldo levantou várias irregularidades ligadas aos executivos indicados pela justiça como contratações suspeitas de empresas ligadas às suas famílias, contratos superfaturados e utilização do caixa da empresa para viagens particulares dos interventores. 

A situação do controle da empresa só foi resolvida no final de 2006, com a volta definitiva de Ronaldo Sampaio Ferreira. Mas, a essa altura do campeonato, a Bombril já não era mais nem sombra da empresa que foi um dia. Problemas na produção, que estava totalmente defasada, dificuldades na tomada de crédito e varejistas que tinham dificuldades em receber os produtos de limpeza da companhia eram alguns dos desafios da nova fase do ex-dono que voltava à casa. Para ajudar, enquanto a Bombril se afundava com os seus problemas internos, a Assolan aproveitou para ganhar mercado, dificultando ainda mais a vida da companhia.

Reestruturação da Bombril

Com Ronaldo de volta no comando, a Bombril passou por uma reestruturação radical. Nos quadros de administração, parentes e amigos foram substituídos por executivos com experiência no mercado, que renegociaram uma dívida astronômica, cortaram gastos, e enxugaram custos fixos. Além disso, Ronaldo passou a mirar novos segmentos de atuação, como o de cosméticos. O problema foi que, mesmo com todos esses esforços e iniciativas tomadas, a situação da Bombril era tão delicada, que nada disso acabou surtindo efeito.

Ronaldo e Carlos Moreno no set de gravação dos anúncios da empresa

Para você ter noção da gravidade, em 2013 a Bombril chegou a sumir das prateleiras dos supermercados por falta de dinheiro para produção e transporte dos produtos. No auge da crise, em 2015, a dívida da Bombril chegou a R$ 900 milhões e a companhia estava há quatro anos seguidos apresentando prejuízo. Dessa forma, Ronaldo Sampaio Ferreira contratou a RK Partners para tentar salvar a empresa da falência. E funcionou.

Já no primeiro ano sob a nova gestão, a Bombril conseguiu reverter o prejuízo de 377 milhões de reais em 2015 para um lucro líquido de 59 milhões de reais em 2016. Para atingir esse resultado, a Bombril precisou cortar uma série de custos e despesas, incluindo os gastos com marketing, que caíram de R$ 60 milhões para R$ 8 milhões.  Além disso, a empresa demitiu centenas de funcionários, reduziu o seu mix de produtos e também vendeu algumas de suas marcas para tentar gerar caixa. Dessa forma, a empresa conseguiu respirar e aos poucos foi dando sinais de que o pior já havia ficado para trás.

Dias de hoje

Dados dos ultimos Quarters da Bombril

Depois de um longo processo de reestruturação, cheio de altos e baixos e uma série de trocas no comando da empresa, parece que finalmente a Bombril está conseguindo se recuperar. Em 2022, a receita bruta foi de mais de R$ 2 bilhões, um crescimento de 26,2% frente ao ano anterior, enquanto o Ebitda que é o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização alcançou a marca inédita de R$ 189,7 milhões, 3,8 vezes maior que os R$ 50 milhões de 2021.

Com o aumento expressivo da sua geração de caixa, o seu endividamento, que em 2021 havia atingido 9 vezes o ebitda, caiu para apenas 2 vezes o ebitda nos 12 últimos meses. Além disso, a Bombril também levantou uma linha de crédito de R$ 300 milhões, o que alongou o seu endividamento e reduziu drasticamente o custo da sua dívida. Mas ainda assim, um fantasma lá da época da confusão com Cragnotti, ainda ronda a Bombril, que possui uma contingência tributária de R$ 5 bilhões.

De acordo com a empresa, essa dívida tributária encontra-se em discussão judicial e está com a sua exigibilidade suspensa. Ah e se você está perguntando o que aconteceu com Sergio Cragnotti, ele está respondendo seu processo em liberdade.

Cragnotti hoje em dia

Segundo o relatório anual da CVM de 2017, Cragnotti ainda constava como um dos seus maiores devedores, ficando atrás apenas de Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos, e do empresário Daniel Birmann. O valor atualizado da multa já supera a marca de R$ 200 milhões.

Que confusão!

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