Uma adolescência inteira vivida em um orfanato, depois de sua mãe morrer e seu pai a abandonar. E mesmo com a dificuldade de uma infância pobre, ela se transformou em ícone da moda global. Hoje, vamos mergulhar na controversa história de Gabrielle Bonheur Chanel – ou apenas Coco Chanel, como é popularmente conhecida. A mulher por trás de uma das casas de moda mais famosas do mundo.
Dona de uma criatividade e visão empreendedora que a transformaram em uma das principais estilistas de todos os tempos. Mas também envolvida em polêmicas e rotulada como uma espiã nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Você vai entender agora como Coco Chanel transformou uma chapelaria de uma rua estreita de París em um negócio que vale bilhões de dólares.
“Qui qu’a vu Coco?”
Nascida em um hospício para pobres, em 1983, Coco Chanel cresceu em uma França Rural, na cidade de Saumur, numa época em que as vidas dos pobres eram raramente documentadas. Coco tinha mais quatro irmãos e uma família que vivia em extrema pobreza. Seu pai era um comerciante que viajava de cidade em cidade, no interior da França, vendendo seus produtos. Já sua mãe sobrevivia ganhando algum dinheiro lavando roupas.
Quando tinha apenas onze anos, Chanel perdeu a mãe acometida por uma grave tuberculose. Sem saber o que fazer, o pai decidiu dividir a família. Os filhos homens foram viver suas vidas com trabalhadores agrícolas da região. Já as três meninas – incluindo a Coco – o pai abandonou em um terreno de um orfanato local e simplesmente desapareceu. Gabrielle nunca mais viu seu pai novamente.
Chanel viveu a infância inteira nesse orfanato, partilhando de uma vida extremamente rigorosa e disciplinada, já que a instituição era controlada por freiras. Apesar de se sentir infeliz, ao ponto de desejar constantemente fugir daquele lugar, Gabrielle aprendeu no orfanato a arte que mudaria seu destino para sempre. Lá ela aprendeu a costurar.

Ainda muito jovem, Chanel já produzia alguns chapéus e vestidos. Em 1901, ao completar dezoito anos, a jovem moça deveria fazer uma escolha: se tornar freira ou ir embora. Chanel pôde finalmente sair e assumir o controle de seu próprio destino. Em 1903, depois de completar vinte anos, Coco finalmente conseguiu um emprego como costureira na cidade de Moulins. Era um trabalho modesto, mas dá pra se dizer que esse foi seu primeiro passo na grande indústria da moda. Foi nesse período que a jovem moça adquiriu para si o nome Coco pela primeira vez.
Para poder se sustentar, Gabrielle também cantava em um cabaré local. Uma de suas canções características era a “KI KA VOU COCO?” – que acabou dando origem ao nome artístico. Na época, a Europa vivia um período entre a Guerra Franco-Prussiana e a Primeira Guerra Mundial reconhecido como A Belle Époque – considerada uma era de ouro da beleza, inovação e paz entre os países europeus. Enquanto novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis sociais, a cena cultural estava em efervescência: cabarés, o cancan e o cinema haviam nascido.
Moulins era uma cidade militar e muitos jovens oficiais frequentavam tanto os cabarés locais como a loja onde Chanel trabalhava – para fazerem seus uniformes sob medida. E foi assim que Chanel conheceu Étienne Bal-san – seu primeiro amante.

House of Chanel
Étienne Bal-san era ex-oficial da cavalaria e herdeiro de uma fortuna têxtil. Em pouco tempo, Chanel teve um caso com o homem e se tornou seu amante. Propositalmente ou não, Gabrielle começou rapidamente a se misturar com a classe alta e aristocrática da época – graças às conexões com Bal-san. Ela chegou até a morar no castelo de Bal-san, onde regularmente ele a presenteava com vestidos e jóias – dando oportunidade a Coco de conhecer o melhor da moda contemporânea. Chanel tinha uma pequena sala no castelo, onde ela continuava a desenhar chapéus, roupas e a também produzia algumas peças. Mas ela já projetava algo muito maior. E estava determinada a transformar aquilo em um negócio – o problema é que não tinha o dinheiro para investir.
Mesmo tendo conhecido várias pessoas ricas da época, Chanel tinha dificuldade em achar um investidor – ninguém parecia estar disposto a correr o risco de colocar dinheiro em uma jovem moça. Mas com 26, em uma das festas orquestradas por Balsan, Gabrielle conheceu Arthur Capel – ou Boy Capel – filho de um comerciante marítimo britânico extremamente rico – que mudou esse cenário.

Os dois acabaram se apaixonando, mas também se tornaram parceiros de negócios. Chanel trocou Balsan por Capel e o casal mudou-se para Paris. Capel, de certa forma, enxergou o talento de Chanel e em 1910 deu a ela a ajuda necessária para abrir sua própria loja em Paris – vendendo inicialmente os chapéus que ela mesmo produzia. Assim nasceu a Chanel Modes em uma rua estreita chamada rue Cambon.
Os designs de Coco eram únicos e rapidamente se tornaram muito populares. Os chapéus eram elegantes, e principalmente funcionais, ao contrário dos chapéus decorativos com frutas – parecendo uma fruteira mesmo – que as mulheres francesas usavam até aquele momento. Algumas atrizes famosas da época passaram a usar os novos modelos de chanel e contribuíram ainda mais na construção de sua reputação. Chanel era crítica ao visual exigente e pesado da alta costura pré-Primeira Guerra Mundial e estava disposta a iniciar uma guerra para tentar tornar as mulheres tão modernas e confortáveis em suas roupas quanto os homens eram.

À medida que os chapéus continuavam a vender, o negócio crescia e Gabrielle já começava a contratar as primeiras pessoas e a expandir os produtos. O ênfase especial, depois dos chapéus, era para as roupas esportivas. Em 1913, Coco Chanel abriu mais duas lojas. Uma em Deauville, na Normandia, no noroeste da França e outra na cidade de Biarritz, no Golfo da Biscaia, onde ela podia atender tanto o turismo britânico e espanhol quanto à sua clientela francesa. Deauville era uma cidade turística, onde pessoas privilegiadas iam passar suas férias na praia. A House Of Chanel agora estava em uma das áreas mais ricas da França.
A primeira coleção da Chanel foi confeccionada com um tecido conhecido como Jersey, que até então era usado principalmente em roupas íntimas masculinas. Gabrielle produzia peças de vestidos confortáveis e elegantes – mas ao mesmo tempo simples e funcionais.
Até que a paz na Europa começou a ruir.
Guerra de Oportunidades
Apesar do sucesso, os negócios de Chanel passaram a ser impactados negativamente pela eclosão da Primeira Guerra Mundial no verão de 1914. Mas apesar das dificuldades, os negócios continuaram funcionando. Com o avanço do conflito, a loja em Biarritz teve um desempenho particularmente bom, porque estava localizado no sudoeste da França – o mais longe possível dos combates. Além disso, o local se beneficiou da neutralidade vizinha da Espanha e do fluxo de turistas britânicos que ainda podiam pagar por produtos caros. O lugar era uma espécie de refúgio no litoral durante a Guerra.
O sucesso da loja garantiu para Chanel sua independência financeira e uma legião de quase 300 mulheres trabalhando em todos os seus ateliês.
Em março de 1916, a Chanel entrou para as páginas da Harper’s Bazar – uma importante revista de moda feminina – sendo considerada a marca mais elegante da Europa em tempos de Guerra. Os vestidos Jersey já eram um grande sucesso entre as mulheres e a reputação da marca só cresceu ainda mais na década de 1920. Chanel acabou transformando o cenário de guerra em oportunidade.

Mas a felicidade de Coco acabou sendo destruída com a morte repentina de Capel num acidente de carro em dezembro de 1919. Agora ela estava sozinha – havia perdido sua maior referência de família na vida. Mas a perda acabou acendendo um fogo de ambição ainda maior dentro dela. Com o resultado do sucesso durante o período de guerra, Gabrielle conseguiu acumular capital suficiente para comprar, em 1919, um prédio inteiro na rua de sua chapelaria original em Paris.
Dois anos depois, Coco Chanel lançou um novo produto: o icônico perfume Chanel No. 5. A fragrância na verdade foi criada pelo franco-russo Ernest Beaux – com quem a estilista fez uma espécie de parceria. O perfume foi um sucesso desde seus primeiros dias de lançamento e tornou-se uma parte icônica da marca. Até esse momento, só as mulheres usavam óleos que tinham um único aroma. O produto se tornou tão popular, ao ponto da atriz Marilyn Monroe afirmar que usava algumas gotas do Chanel N 5 para dormir.

Mas apesar do sucesso nas vendas, Gabrielle encontrava dificuldades em seu negócio – porque tinha perdido um pilar importante com a morte de Capel. Naquela época, as mulheres nem podiam ter sua própria conta bancária e Chanel também não tinha muita experiência com os contratos e a parte burocrática do negócio. Em 1924, Gabrielle encontrou um novo parceiro para a empresa. Um homem muito rico e com vasta experiência em marcas de moda de luxo: Pierre Werthimer.
Mas essa seria, na verdade, uma grande decepção.
Chanel e Decepções
Embora o novo parceiro tenha ajudado a continuar o negócio, o contrato assinado entre os dois deixava a Chanel com apenas 10% dos lucros das vendas da marca. Era um contrato injusto e esse foi um fardo que Gabrielle carregou pelo resto de sua vida. Nessa mesma época, o logotipo da marca foi revelado. Os Cs entrelaçados que hoje em dia são inegavelmente reconhecidos em todas as partes do mundo surgiu.
Outros produtos também foram lançados pela marca. Quase tão icônico quanto o Chanel N 5, o vestidinho preto de Chanel começou a ser vendido em 1926.

Embora os vestidos pretos tivessem sido um item de luxo da alta sociedade durante o período renascentista, as roupas pretas se tornaram, com o tempo, sinônimo de luto.
Tal como aconteceu com outros diversos produtos Chanel na década de 1920, a chave para o sucesso foi o marketing. Quando a empresa começou a vender seu primeiro vestidinho preto, ele foi estampado em uma publicação na revista Vogue e logo despertou o interesse de toda alta sociedade da Europa.
Outro sucesso importante da década de 1920, foi a primeira linha de ternos femininos. A própria Chanel vestiu roupas masculinas e adaptou essas modas mais confortáveis, algo que outras mulheres também achavam libertador.
Na década de 30, Coco também lançou uma linha de jóias e bolsas famosas que várias estrelas de cinema passaram a usar. O sucesso tomou proporções tão grandes que, em 1931, Coco Chanel partiu para Hollywood a convite de Samuel Goldwyn – o chefe de um dos maiores estúdios emergentes em Los Angeles no início da era do cinema falado. A Chanel seria responsável por parte do figurino usado pelos artistas. O acordo que ela fechou com Goldwyn foi de 1 milhão de dólares. O que representa mais de 100 milhões de dólares em valores atuais.

Gabrielle também marcou a moda com seu corte de cabelo curto. Quando a estilista mostrou ao mundo seu novo cabelo, inúmeras mulheres se permitiram cortá-lo também.
Mas, nessa mesma época, a Europa via a ascensão nazista na Alemanha e o continente caminhava para mais uma guerra que iria atrapalhar seus negócios.
Espiã de Luxo
Em 1940, o exército alemão invadiu Paris e assumiu completamente o controle da cidade. Chanel teve que fechar suas lojas e agora começa um grande mistério em sua biografia. Segundo seu próprio relato, ela fugiu de Paris durante a invasão. Mas algumas investigações apontaram, alguns anos depois, que essa não é a verdade. Chanel permaneceu em Paris e mudou-se para o hotel Ritz. Esse hotel acabou sendo onde os nazistas instalaram sua sede. O que significa que Chanel estava morando entre os inimigos durante a invasão.
Na verdade, o que aconteceu foi que ela acabou se relacionando com um oficial alemão de alto escalão chamado Hans Gunther von Dincklage. Como consequência, mesmo com todo o conflito, sua boutique permaneceu aberta durante a invasão da cidade.

Alguns dizem que Chanel simplesmente fez amizade com os alemães para manter seus negócios vivos – mas que ela nunca foi realmente leal a eles. Já outros acreditam que Chanel era sim uma simpatizante do nazismo. Ou, pelo menos, que ela se juntou ao lado alemão porque sentiu que eles venceriam a guerra.
No final, Coco foi acusada de ser uma agente secreta nazista, pois os alemães sentiram que podiam usar suas conexões com a elite da época para coletar informações. Chanel inclusive teria sido enviada a missões – como uma viagem a Madri – para se conectar com o exército Aliado sob pretexto de fazer negócios.
Por um tempo, esse envolvimento foi tratado como apenas rumores… Mas em 2011, um livro lançado com o nome “Dormindo com o Inimigo: a guerra secreta de Coco Chanel” reuniu documentos para provar que Chanel era sim uma agente nazista infiltrada.

Outra hipótese também levantada, era que de Chanel queria aproveitar a invasão Alemã para desqualificar o contrato que assinou com Pierre Werthimer. Werthimer era judeu e Chanel acreditara que os nazistas a ajudariam a recuperar a propriedade total de sua bem-sucedida marca. Mas Pierre foi muito inteligente para se defender contra esse problema, ele transferiu temporariamente sua participação acionária na empresa para um amigo não judeu – o que impediria qualquer tentativa nazista.
Quando a guerra acabou, o relacionamento de Coco com Hans também teve fim, mas a notícia do caso se espalhou rapidamente. Chanel passou a ser acusada constantemente de ter colaborado com a Alemanha e antes que ela pudesse deixar a França, acabou sendo detida.
Legado
Gabrielle foi levada a interrogatório, mas com a alegação de falta de provas, ela não foi acusada e acabou sendo solta um tempo depois. Apesar de alguns oficiais alemães testemunharem que Chanel tinha trabalhado para Hitler, ela saiu completamente ilesa das acusações. A teoria mais popular é de quem Winston Churchill interveio nas investigações para mantê-la segura, já que ela tinha muitas informações importantes de muita gente também importante. Já outra vertente suspeitava de que Chanel havia usado suas conexões no alto escalão para subornar pessoas e encobrir seu envolvimento com os alemães.
Mas apesar de não ter sido acusada oficialmente, Chanel teve uma recepção muito ruim na França pós-guerra. Sua reputação havia se deteriorado. Paris já não era um lugar seguro para ela, que decidiu se mudar para a Suíça. De lá, ela continuou a observar o mundo da moda – mas agora de fora. E continuava convencida que as mulheres modernas precisavam de suas roupas.
Ironicamente, sua volta ao cenário foi viabilizada por Pierre Werthimer. Embora Chanel tenha tentado anular seu contrato durante a guerra, e também tenha processado Pierre sem sucesso, ele sabia que tê-la no negócio era essencial para recuperar a marca. E assim, em 1954, aos 71 anos, Chanel reabriu sua grife depois de ela ter ficado 15 anos fechada desde a guerra.

As novas coleções foram instantaneamente rejeitadas pelos franceses. No entanto, em pouco tempo, seus designs chegaram à América e por lá passaram a fazer sucesso. Basicamente, a nova coleção se alinhava com a maneira como os americanos modernos queriam se vestir.
Não demorou muito, e as roupas voltaram a se tornar populares – dessa vez atingindo celebridades americanas. Mulheres como Elizabeth Taylor passaram a vestir os modelos da marca. No alto de seus 75 anos, Chanel continuava a lançar novos designs e fazer sucesso, como o clássico terno tweed.

Mas em 1971, aos 87 anos, Gabrielle Coco Chanel veio a falecer. Seu funeral foi realizado na Igreja de Saite-Marie-Madaleine e contou com a presença de diversas figuras da moda e da cultura europeia – como o pintor espanhol Salvador Dalí. Em pouco tempo, o estilista Karl Lagerfeld assumiu como diretor criativo da empresa e ajudou a expandir ainda mais os negócios.
Curiosamente, hoje, a Chanel continua sendo propriedade da família Werthimer. Embora Pierre já tenha morrido, seus netos controlam a marca. Juntos, Alain Wertheimer e Gérard Wertheimer, acumulam um patrimônio de mais de 30 bilhões de dólares.
A Casa Chanel continua sendo uma marca extremamente famosa no mundo inteiro e suas campanhas de marketing continuam sendo particularmente geniais. Apesar das diversas polêmicas em sua vida, Coco Chanel é uma das estilistas mais importantes da história e foi a única figura da moda a aparecer na lista das 100 pessoas mais influentes do século 20 segundo a revista Times.

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