Com uma fortuna avaliada em US$ 4,5 bilhões com apenas 30 anos, em 2014, Elizabeth Holmes se tornou a mais jovem bilionária self-made do mundo. Aclamada pela mídia, Elizabeth virou a queridinha do Vale do Silício e, em pouco tempo, estava na capa de algumas das mais respeitadas revistas de negócios do mundo. O motivo de sua fama? A jovem empreendedora havia fundado uma startup que iria revolucionar o setor de saúde.
Essa empresa, a Theranos, foi fundada por Elizabeth em 2003, depois que ela abandonou a prestigiada universidade de Stanford aos 19 anos para seguir o seu sonho de empreender. Tamanha reputação atraiu a atenção de investidores de peso como os bilionários Rupert Murdoch, Larry Ellison e até mesmo a família Walton, considerada a família mais rica do mundo. Tudo isso fez com que a Theranos chegasse a ser avaliada em US$ 9 bilhões no seu auge.
Mas só tinha um pequeno detalhe: tudo não passava de uma farsa.
Elizabeth Holmes
Nascida no dia 3 de fevereiro de 1984, Elizabeth Holmes cresceu em uma família rica na cidade de Washington D.C, a capital dos Estados Unidos. Filha de Christian Rasmus Holmes 4º, que foi vice-presidente da Enron, a empresa de energia que faliu em 2002 após um escândalo envolvendo fraude contábil, e Noel Anne Holmes, uma funcionária no Congresso americano, Elizabeth teve uma infância confortável. Aos 9 anos, ela escreveu uma carta ao pai declarando que “o que ela realmente queria da vida era descobrir algo novo, algo que a humanidade não sabia que era possível fazer”.
Em 2002, quando completou 18 anos, ela ingressou no curso de engenharia química em Stanford – uma das universidades mais prestigiadas do mundo. No mesmo ano, em uma viagem para a Ásia, Elizabeth conheceu Ramesh “Sunny” Balwani, um empreendedor paquistanes que havia vendido uma startup por US$ 40 milhões durante a bolha da internet. Um contato que seria muito importante para os seus próximos passos.
Na volta para os Estados Unidos, Elizabeth tomou uma decisão ousada. Abandonar Stanford para começar a empreender. Então, com apenas 19 anos, em 2003, ela fundou a Theranos, cujo principal objetivo era revolucionar a indústria de testes sanguíneos.
A Theranos
A promessa da Theranos era ousada. Com apenas uma gota de sangue, a máquina criada pela startup realizaria centenas de testes dos quais os resultados sairiam na hora – e a um custo muito mais baixo do que os laboratórios tradicionais.
Só para você entender: os testes tradicionais, normalmente, exigem a coleta de uma quantidade maior de sangue, geralmente através de uma veia no braço usando uma agulha e uma seringa. As amostras são então enviadas para um laboratório externo para análise. A ideia de Elizabeth era que uma pessoa poderia fazer um simples teste de sangue em um consultório médico ou farmácia, e a Theranos forneceria resultados rápidos e precisos com apenas uma picada no dedo, eliminando a necessidade de coleta de grandes quantidades de sangue.
Mesmo com apenas 19 anos e sem nenhuma experiência no campo da medicina, Elizabeth não encontrou problemas para levantar capital para financiar a operação da nova empresa e logo no seu primeiro ano, conseguiu captar cerca de US$ 6 milhões. Com dinheiro em caixa, a Theranos passou os anos seguintes desenvolvendo o seu produto revolucionário, um dispositivo portátil do tamanho de um computador, que foi chamado de Edison – em homenagem ao famoso inventor Thomas Edison. Enquanto trabalhava na sua inovação tecnológica, Elizabeth foi se aproximando de figuras importantes do mercado, com o intuito de aumentar a sua credibilidade.
Em 2011, por exemplo, convenceu o ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, George Schultz, a se tornar membro do conselho de administração da Theranos. Pouco tempo depois, em 2013, outras personalidades influentes, como o ex-secretário de Estado e Prêmio Nobel da Paz, Henry Kissinger, e o general condecorado e ex-secretário da defesa dos Estados Unidos, James Mattis, também se tornaram membros do conselho de administração da empresa. Foi também neste ano, que o Edison, após um longo período de desenvolvimento, ficou pronto para uso comercial, e logo os testes começaram a ser feitos em pessoas.
Esse era apenas o início da ascensão meteórica de Elizabeth Holmes.
Ascensão
Apesar de a Theranos não ter divulgado nenhum estudo que validasse os seus métodos, o dispositivo não demorou a chamar atenção de algumas gigantes do mercado. Afinal, ele prometia mudar um setor que, só nos Estados Unidos, movimenta mais de US$ 70 bilhões por ano. Sendo assim, grandes redes varejistas americanas logo se interessaram em se aproximar da startup de biotecnologia. A primeira a fechar um contrato com a Theranos foi a Safeway, uma das principais redes de supermercados dos EUA.
A parceria, fechada em 2011, permitiu que a Theranos estabelecesse centros de coleta de amostras de sangue da empresa dentro de algumas lojas da Safeway. Esses centros ofereciam aos clientes a conveniência de realizar uma variedade de testes de sangue utilizando a tecnologia da Theranos. Em 2013, a empresa fechou mais um acordo com outra gigante, dessa vez a Walgreens – a segunda maior rede de farmácias dos Estados Unidos.
Com isso, a Walgreens passou a oferecer exames de sangue em suas lojas em mais de 40 localidades no Arizona. Um ano depois, em 2014, a Theranos se tornou uma das grandes sensações do Vale do Silício. Elizabeth Holmes passou a ser convidada para entrevistas em programas de TV, deu palestras, fez até uma apresentação no TED talks e estampou capas de revistas como Forbes, Bloomberg Businessweek e Fortune.
Chamada pela mídia de ‘A próxima Steve Jobs’, Elizabeth Holmes estava no topo, e com apenas 30 anos, se tornou a bilionária self-made mais jovem do mundo. De uma hora para outra, ela havia se tornado uma das maiores referências de empreendedorismo do mundo. E como ninguém queria perder o próximo Google ou Facebook, com toda essa visibilidade, não demorou muito para que grandes empresários e investidores se tornassem sócio de Elizabeth na Theranos.
No total, ela chegou a captar investimentos de mais de US$ 700 milhões com nomes como Rupert Murdoch, o magnata da mídia que sozinho investiu US$ 125 milhões, a família Walton, dona do Walmart, investiu US$ 150 milhões. E até mesmo o bilionário e fundador da Oracle, Larry Ellison, que também investiu milhões de dólares na companhia.
Com todo esse investimento, a Theranos chegou a valer US$ 9 bilhões no seu auge, o que proporcionou um estilo de vida luxuoso a Elizabeth e seu namorado, Sunny Balwani que também era diretor operacional da Theranos. O casal, que viajava só de jato particular, vivia em uma mansão avaliada em US$ 9 milhões que foi comprada em 2013 em Atherton, na Califórnia.
Nada parecia dar errado para a brilhante Elizabeth Holmes. Mas as coisas estavam prestes a mudar
A queda de Elizabeth
A possibilidade de identificar uma série de doenças com apenas uma gota de sangue parecia ser boa demais para ser verdade e logo algumas pessoas começaram a suspeitar da tecnologia da Theranos. No auge do sucesso, a Theranos dizia que o Edison era capaz de lidar com quase 250 tipos de exames, incluindo alguns mais complexos, relacionados a câncer, por exemplo. Porém, alguns especialistas do setor de diagnósticos médicos começaram a expressar ceticismo em relação à viabilidade dos métodos empregados pela empresa.
Além disso, foi observado que a Theranos não divulgava publicamente detalhes suficientes sobre sua tecnologia, dificultando a avaliação independente e a verificação de suas alegações. Mas foi só em 2015 que as coisas complicariam de vez para a Theranos. Foi neste ano que um jornalista do Wall Street Journal chamado John Carreyrou resolveu investigar a fundo o que estava acontecendo na Theranos.
Para você ter uma ideia da gravidade dessa investigação, Elizabeth Holmes pediu pessoalmente a Rupert Murdoch, que era o dono do Wall Street Journal e um dos investidores da Theranos, para que o artigo não fosse publicado. Porém, ele negou, e quando a matéria foi para o ar em outubro de 2015, o estrago estava feito. Nesse artigo, um ex-funcionário revelou a Carreyrou que, na verdade, o Edison fazia apenas uns 15 tipos de testes, e não mais de 200 como a Theranos alegava.
Além disso, o equipamento precisava de pelo menos três frascos de sangue para realizar os exames e não de apenas algumas gotas — na época, a empresa chegou até a remover essa afirmação de seu site. E não parou aí: a Theranos também foi acusada de não revelar que fazia a maior parte de seus exames com equipamentos convencionais fabricados por outras empresas. Mais tarde, surgiram questionamentos sobre a precisão de determinados exames, algo imperdoável para uma companhia que afirmava ter realizado até então mais de 3,5 milhões de testes.
A Theranos até tentou se defender, acusando o Wall Street Journal de ter entrevistado ex-funcionários anônimos e descontentes, e afirmando que o Edison podia fazer mais de 15 exames, por exemplo. Mas a empresa não fornecia provas. As declarações dadas, depois da denúncia, eram vagas ou tentavam distorcer afirmações passadas. A situação ficava pior a cada dia, com mais e mais revelações. O FDA (órgão dos Estados Unidos equivalente à Anvisa) chegou até a encontrar, em inspeções surpresas nos laboratórios da Theranos, procedimentos que colocavam em risco a saúde dos pacientes. Não havia mais como sustentar a farsa e logo os processos começaram a se acumular.
A Safeway e a Walgreens encerraram seus contratos com a empresa, rompendo suas relações comerciais e buscando indenização devido às alegações enganosas feitas pela Theranos. E em setembro de 2018, a Theranos decretou falência, e a fortuna de Elizabeth, que no seu auge atingiu US$ 4,5 bilhões, foi à zero.
No mesmo ano, Holmes e Ramesh Balwani foram acusados de fraude pelo governo dos Estados Unidos, além de enganar investidores, médicos e pacientes sobre a eficácia dos testes da Theranos.
Em novembro de 2022, Elizabeth Holmes foi condenada a 11 anos de prisão pelos crimes de fraude eletrônica e conspiração. Em uma decisão de 16 de maio de 2023, o juiz federal Edward Davila ordenou que Holmes e Balwani, que está cumprindo uma pena de quase 13 anos na Califórnia, pagassem US$ 452 milhões em restituição às vítimas. Holmes, de 39 anos, começou a cumprir sua pena em uma prisão no estado do Texas no dia 30 de maio de 2023.
Simplesmente uma das maiores fraudes corporativas da história dos Estados Unidos.
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